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SELEÇÃO BRASILEIRA

Após demissão de Emily Lima, Cristiane anuncia aposentadoria da seleção brasileira feminina

Em pronunciamento, atleta fez pedido ao presidente Del Nero e desabafou sobre a falta de atenção e os problemas enfrentados pelas jogadoras

postado em 28/09/2017 10:15 / atualizado em 28/09/2017 11:13

Flavio Florido/Exemplus/COB
Foram 17 anos de história defendendo a seleção brasileira feminina. Quase duas décadas de uma briga que ultrapassou as quatro linhas. Na noite da última quarta-feira, veio o ponto final. A atacante Cristiane, artilheira das Olimpíadas de 2012 e 2016, anunciou sua aposentadoria da seleção brasileira feminina após a demissão da técnica Emily Lima. Em pronunciamento por meio de suas redes sociais e muitas vezes com a voz embargada, a atleta fez um pedido ao presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, e desabafou sobre os problemas enfrentados pelas jogadoras ao longo dos anos: pedidos não atendidos, diária de R$ 250 e falta de informação sobre direito de imagem.

"Acho que foi a decisão mais difícil que eu já tomei na vida profissionalmente. Pensei durante todos esses dias, não me manisfestei até agora, várias pessoas cobrando manifestação das atletas, que falassem, se posicionassem. Não disse nada até porque eu já tinha minha decisão tomada, falei com minha família, meus amigos, escutei vários pedidos para que eu pensasse, inclusive das atletas. Mas não vejo outra alternativa, por conta de todos os acontecimentos e coisas que eu já não tenho forças para aguentar. Aguentei durante 17 anos, mas não tenho mais. Hoje se encerra meu ciclo na seleção brasileira", disse a atacante.

A saída de Emily Lima

"Foi bem difícil para mim quando essa comissão foi mandada embora, porque ano passado eu tinha me chateado bastante depois das Olimpíadas por conta da minha lesão e eu tinha meio que perdido a vontade de voltar, e essa comissão me mostrou algumas coisas diferentes, Emily me pediu e eu retornei. Ai veio o balde de água fria. Porque simplesmente tiraram essa comissão em pouquíssimo tempo, quando todas as atletas estavam gostando do trabalho. Por que todas as outras (comissões) que passaram tiveram um tempo muito grande de trabalho, conseguiram um ciclo todo de trabalho e essa não teve sequer a oportunidade? Por que era mulher?

E não só porque era mulher, por que era mulher e trabalhava demais? Por que brigava além da conta? Não só de coisas de dentro de campo, mas extracampo também. Então são coisas que a gente não entende. Todo mundo teve sua oportunidade de trabalhar, porque essa não? Assim como foi a do Renê em 2004, onde ele teve de cinco a seis meses de trabalho, conseguiu uma medalha e foi mandado embora." 

Comissão de Vadão

"São por quês que a gente não vai ter resposta e eu também não sei se quero mais as repostas para isso. Minha decisão não é por conta da comissao do Vadão, de maneira alguma, porque inclusive eu conversei com ele antes disso, ele pediu que eu ficasse, conversou comigo, falou da importância no grupo. Agradeci demais, porque ele é uma pessoa incrível. Não é por conta dele, mas por conta de detalhes que eu já não tenho mais força. Por coisas que às vezes são mínimas, mas que fazem a diferença."

O pedido das atletas

"Eu vou fazer um pedido porque não sei se isso nunca chegou ao senhor presidente (Marco Polo Del Nero), eu acho que não, porque se não eu não estaria pedindo isso agora. São coisas pequenas que talvez mudariam um pouco. Um pedido que a gente fez foi de querer que essa comissão que saiu permancesse e todas nós, 24 de 26 atletas, assinaram o pedido e ele não foi ouvido. Quantas vezes vão acontecer vários pedidos e ninguém vai escutar? Toda vez foi assim, de pedir e ninguém escutar. 

É muito fácil bater no peito e na televisão e dizer que dão todo o suporte que a gente precisa quando tem coisas que são erradas. Por favor melhorem essa diária de R$ 250 que as meninas recebem. Nós estamos há anos recebendo a mesma diária. Explique como funciona o direito de imagem, se é que existe, porque ninguém nunca sabe. Ano passado ficamos o ano inteiro servindo a seleção brasileira, disputamos uma Olimpíada onde o mundo inteiro assistiu e eu recebi R$ 2.500, R$ 2.700. Caiu um valor diferente para cada uma. Por que isso?" 

Independência da modalidade

"Por que não colocam as nossas camisas à venda? Eu cansei de ter que ficar escutando de diretor que nós só sobrevivemos por conta do dinheiro do masculino. Já que isso acontece, por que não criam um plano para que possamos depender de nós mesmas? 

Se tem pessoas que não têm vontade de trabalhar para fazer com que isso aconteça, têm várias outras que tem, inclusive ex-atletas que não tem oportunidade. Para que serve então um curso de treinadores que é cedido às ex-atletas e atletas se amanhã ou depois a gente não pode trabalhar ou vai trabalhar sob pressão ou não vai ter tempo para trabalhar. É futebol feminino, mas praticamente não tem mulher.

Faça o senhor por favor uma reunião com as atletas, somente as atletas, e escute o que tem elas para pedir. Nós temos tantas ideias boas e positivas para que modalidade possa andar e crescer. Por isso que todos os outros países estão crescendo, com pequenos detalhes, mas que fazem a diferença.

Eu não tive mais voz aí dentro (CBF), porque todas as vezes que eu pedi ou era chata ou falava demais. Acho que fiquei na berlinda de me tirarem daí várias vezes, então eu já estou saindo antes. Não vão ter mais com o que se preocuparem. Eu saio antes porque tentei de coração, muito, mas não tenho mais forças."

Mensagem às jogadoras

"Meninas sejam fortes e unidas, briguem por coisas que não vai mudar a vida de vocês hoje, mas vai mudar a vida de meninas no futuro. Se vocês tem no grupo uma ou várias que não querem brigar, coloquem de lado e briguem vocês. Porque um grupo é maior que isso. As outras seleções estão conseguindo isso porque estão brigando juntas. 

Queria poder encerrar meu ciclo ali dentro e ter feito muito mais do que eu fiz, muito mais do que eu contribuí durante todos esses anos. Mas eu não consigo mais, então por favor senhor presidente escute as meninas. Mudem coisas que valem a pena, que vão fazer diferença, não para as meninas que estão aí hoje, mas para outras que vão passar. 

Façam um planejamento de marketing do que quer que seja e quando uma atleta, uma não, quando várias atletas te mandarem uma carta com um pedido é porque esse pedido é importante e porque estava fazendo a diferença. Com todo o respeito a comissão do Vadão, eles tiveram a chance deles, por que essa não teve."