Entre os torcedores do Santa Cruz que estavam no que era para ser uma comemoração pelos 106 anos do clube, na última segunda-feira, havia Maurilio Marcelo da Silva, de 22 anos, acompanhado do seu filho, Ryan Hernanes da Silva, de três anos, e do sobrinho, Gustavo Silva, de dez. O trio costuma ir junto aos jogos do clube. Nesta terça-feira, dia seguinte à confusão provocada por integrantes de uma facção organizada, Maurilio disse ainda não saber se os pequenos, ou ele próprio, terão lugares garantidos nas próximas partidas.
Para resgatar simbolicamente a fundação do clube, algumas crianças estavam jogando bola amistosamente no Pátio da Igreja de Santa Cruz, onde o clube foi fundado. Porém, a festa deste ano foi interrompida quando integrantes de uma facção organizada que se apropria da imagem do Sport chegaram ao local armados e atirando, provocando um tumulto generalizado. As crianças presentes no local ficaram divididas num misto de inocência, fragilidade e medo.
“Meu sobrinho estava indo jogar bola na hora em que eles invadiram. A gente entrou em desespero. Eu botei o meu filho no braço e corri para o restaurante ali na frente, caí e fui pisoteado várias vezes. Meu sobrinho correu para o lado errado, na direção de onde a Jovem (torcida organizada) estava vindo. Deixei meu filho no restaurante com um amigo e fui atrás do meu sobrinho, quando eu o encontrei, ele estava em desespero total, não sabia o que tava acontecendo”, rememorou Maurilio. “Em todos os jogos levo meu filho e o meu sobrinho comigo, agora vai ficar complicado”, disse.
Presenciar atos violentos em encontros esportivos não é algo novo na vida de Maurilio. Em um deles, o pai selou o fim de uma paixão, através de uma promessa. “Ano passado ou retrasado a Jovem invadiu pela Avenida Beberibe, eu estava entrando quando eles invadiram jogando tijolos. Passei aperreio ali também. Em 2013, quando o meu pai desistiu (de ir a jogos), era a própria torcida organizada do Santa Cruz. Foi no jogo contra o Central. Tinha muita briga de bairro. A gente teve que correr e o meu pai sempre teve problema no tendão, aí corremos até a Encruzilhada, e quando chegou lá, estava tendo outra briga, ainda da Inferno Coral, e a gente teve que voltar. Nesse dia meu pai disse que não pisava mais no Arruda”.
Traumatizado, Maurilio fala em seguir os passos do pai e também deixar de ir a jogos. “O meu pensamento no momento é de largar. Parar de ir ao campo. Mas também tenho o pensamento de que a violência não pode vencer. No momento eu estou dividido. Essas pessoas ruins não podem tomar o espaço da família. Estádio é espaço de família. Toda vez que um cidadão de bem deixa de frequentar o estádio, é um pedaço do futebol que morre. Eu queria poder apagar esse dia”, finalizou.