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Recém-contratado pelo Náutico, Rafael Coelho é testemunha da evolução do futebol da China

Atacante atuava no país e presenciou uma profunda reformulação no futebol local

postado em 12/03/2016 21:11 / atualizado em 15/03/2016 13:38

Emanuel Leite Jr. /Especial para o Diario

Nando Chiappetta/DP
O futebol chinês está na moda. E não é para menos. Afinal, os clubes de sua Super Liga gastaram impressionantes 331 milhões de euros no mercado de transferências de janeiro. Valor superior aos 253 milhões da Premier League, maior competição nacional do planeta. Maior também do que a soma da Bundesliga (Alemanha), La Liga (Espanha), Serie A (Itália) e Ligue 1 (França) juntas. Impulsionada pelos investimentos privados de magnatas e com a ambição política do presidente Xi Jinping de transformar o futebol do país em uma forma de expressão da potência mundial chinesa, a Super Liga colhe os frutos de seu ressurgimento em 2011, após sofrer um período de sombras, abalado por escândalos de corrupção, subornos e resultados combinados. Quem viveu de perto esse período de transformação foi o atacante Rafael Coelho, que chegou ao Náutico no dia 1º de março.

Embora o futebol chinês tenha se profissionalizado em 1994, com a criação da Liga, na esteira das reformas que implementaram o “socialismo de mercado”, em 1993, e ter vivido um breve período de crescimento, foi mesmo a partir de 2011 que o esporte começou a se estruturar. Foi nesta fase que Rafael Coelho chegou à China. Após se destacar no Avaí, clube pelo qual foi artilheiro da Copa do Brasil de 2011, veio o convite para se transferir para o país asiático. “No começo eu fiquei meio espantado. Pensei: ‘Vou para lá, vou desaparecer do futebol’. Eu tinha feito um bom ano no Avaí em 2011. Tinha a possibilidade de ir para uma equipe média ou grande no Brasil. Mas a proposta deles foi muito boa”, recorda o atacante.

A proposta era do Guangzhou R&F, um clube que acabava de sair da segunda divisão. Pesou na decisão o conselho de um amigo que atuava pelo outro clube da cidade, o Evergrande. “Eu conhecia o Conca, que em 2011 tinha ido para lá. Ele estava gostando e me falou que era bom”, revela. “Cheguei lá quando o futebol estava começando a crescer, com o Evergrande investindo bastante - o clube pegou os melhores chineses, montou uma equipe bastante forte e, desde 2011, vem sendo o campeão chinês e tem dois títulos da Champions League da Ásia”, lembra.

A ida dos estrangeiros, por sinal, vem contribuindo diretamente para o desenvolvimento do futebol na China. “Eles eram muito amadores na parte de alimentação. Não tinham nutricionista. Aos poucos, começaram a mudar. Com a chegada dos treinadores estrangeiros, eles foram levando a equipe toda, inclusive nutricionistas. E se não tem nutricionista, tem um preparador físico que entenda de nutrição”, comenta. “A parte da alimentação, os chineses chegaram a estranhar. Mas isso tem ajudado bastante para que eles ganhem massa muscular. Quando eu cheguei lá, o chinês era magrinho, fraco. E com essas mudanças, eles estão crescendo mais”, acrescenta.

Menos, menos…
Ao contrário do que acredita o treinador sueco Sven-Göran Eriksson, que atualmente treina o Shanghai SIPG, e do que pretende o presidente Jinping, Rafael Coelho vê como improvável que a seleção chinesa chegue ao título mundial. “A China tem que evoluir muito para competir com o Brasil e outras seleções de alto nível. Mas, para chegar em uma Copa (a única participação foi em 2002), acho que estão bem perto”, pondera. O jogador, entretanto, entende como inevitável e incontornável o fortalecimento do futebol no país. “Tudo está favorecendo. É um país onde tem muito dinheiro. A maioria dos donos dos clubes é de donos de construtoras. Hoje já é o melhor futebol da Ásia, e o chinês não investe em uma coisa se não for para crescer”, afirma.

Idolatria e rivalidade
De sua passagem pela China, Rafael Coelho notou duas diferenças bastante claras em relação ao futebol brasileiro. Lá, a idolatria é incondicional aos jogadores - especialmente aos estrangeiros -, de uma forma muito mais intensa do que no Brasil. E, embora exista rivalidade entre os clubes, não há sinais de violência.

A cidade de Guangzhou é a segunda maior do país (atrás apenas de Xangai) e a quarta maior metrópole do mundo (maior do que São Paulo, por exemplo). Lá, existem dois clubes. O Evergrande - atual pentacampeão nacional e dono de duas Champions League da Ásia - e o R&F, pelo qual atuou Coelho.

“O Evergrande é da cidade mesmo. Já o R&F era de Shenzen. Aí um construtor, que é amigo do dono do Evergrande, comprou o clube e transferiu para Guangzhou para ter essa rivalidade”, conta Coelho. “Quando os clubes se enfrentam, existem apostas e o bicho é lá em cima. O estádio fica lotado e as duas torcidas dão show”, diz. Mas, sem violência. “Lá não existe. Se o time perde, a torcida aplaude.”

Essa forma diferente de se relacionar com o futebol se reflete, também, no contato com os jogadores. “Somos, para eles, como se fôssemos reis. A gente andando na cidade ou quando chegava para treinar, eles paravam, pediam para tirar fotos, apoiavam. É uma coisa diferente, que não tinha vivido ainda no futebol do Brasil, porque aqui, se você joga bem um dia, é o melhor. Mas se jogar mal no outro, já não presta. Lá não tem isso. Se a gente for mal, é idolatrado. Se for bem, é mais idolatrado ainda.”

As etapas da profissionalização chinesa

Socialismo de mercado e profissionalização
Em 1992, o então presidente chinês implementa a grande reforma econômica que, a partir de 1993, traria o denominado “socialismo de mercado”. Esta reforma trouxe, naturalmente, consequências para o esporte. E o Ministério do Esporte vê o futebol como um bom instrumento para iniciar a mercantilização e profissionalização dos esportes no país. Assim, é criada a Liga de Futebol no ano de 1994.

Suborno, corrupção e derrocada
Após um período de crescimento, com investimentos de empresas estatais, de capital misto e privadas, o futebol chinês passa por uma fase sombria. A partir do fim dos anos 1990, acometido por escândalos de subornos, corrupção, compra de jogadores, acordos de resultados, o futebol perde credibilidade de investidores, da imprensa e até mesmo dos torcedores.

Limpeza, prisões e o ressurgimento
Em 2009, o governo começa a intervir no futebol, através do Ministério da Segurança Pública, investigando os escândalos e punindo todos os envolvidos - inclusive com prisões no mais alto escalão tanto da Federação Chinesa, quanto na Liga profissional. A partir de 2011, com a volta da credibilidade, retornam, também, os investidores privados, que passam a injetar dinheiro nos clubes, trazendo jogadores e treinadores estrangeiros. Em 2013, a média de público chega a 21.050 por partida. Foi o processo definitivo da profissionalização que levou ao fenômeno mundial no mercado de transferências no início deste ano.

Curiosidades

Sopa no almoço
“No início, lá na China, eu cheguei a tomar sopa no almoço para jogar às três e meia da tarde. Uma coisa que no futebol moderno não existe.”

Comidas exóticas
“Na Tailândia cheguei a experimentar sapinho, escorpião, larvas. É bem diferente. Dá para se comer. Foi uma experiência legal. Se não matar, vai engordar. É história para se contar.”

Entregando o jogo?
"Teve um jogo, ainda em 2012, numa época em que ainda estavam sendo descobertos casos de entregas, que a gente desconfia que foi entregado. Um lance em que o nosso lateral estava com a bola e o atacante adversário estava dentro da área. E o lateral foi recuar para o goleiro, mas deu direto para o atacante. Foi muito estranho, porque foi bem no pé do atacante e não tinha nenhum zagueiro nosso na área. Nesse mesmo jogo, o nosso zagueiro já tinha sido expulso com seis minutos. Então, até hoje, desconfio do que aconteceu.”

Sérvios
“Eu não sei o que os sérvios têm contra os brasileiros. Tive dois técnicos sérvios e a relação com eles foi muito ruim. Parece que eles se incomodam com o nosso talento. Se eu ia bem em um jogo e me destacava demais, eles não gostavam. Tive muitos problemas”
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