Futebol Nacional

FUTEBOL PERNAMBUCANO

Jogador, técnico e juiz: a curiosa trajetória da primeira contratação paga de Pernambuco

Há 80 anos, Zago assinava com o Central para ser primeiro atleta com salário oficialmente pago no estado; depois, foi destaque no Sport e como árbitro

postado em 12/08/2017 15:00 / atualizado em 09/08/2017 16:17

Reprodução/Diario de Pernambuco
O mundo ainda discute os valores. Como se pode pagar 222 milhões de euros, cerca de R$ 820 milhões, por um jogador? As cifras exorbitantes da ida de Neymar do Barcelona para o PSG marcam o futebol como a transferência mais cara da história. Há 80 anos, uma discussão em Pernambuco entrava na raiz dessa questão.

O Superesportes te convida para uma viagem no tempo, fruto de uma pesquisa de 268 páginas de jornais. Você conhecerá os bastidores e a trajetória da primeira contratação com salário oficialmente pago a um atleta de futebol no estado. Era a época em que muitos criticavam qualquer centavo dado a um jogador. O amor pelo jogo deveria bastar. Até que o zagueiro Luiz Zago aportou no Recife para fechar com o Central e iniciar a era do profissionalismo em Pernambuco.

Infográfico: Brenno Costa/DP

Do amador para o profissional

A década de 1930 foi marcante para o país. Uma revolução tomou conta da política brasileira e culminou com um golpe de estado. Eleito para ser presidente, Júlio Prestes não assumiu o posto. Quem surgiu como novo  líder do país foi Getúlio Vargas, encabeçando a chefia do “Governo Provisório” e pondo fim à República Velha. Nos gramados brasileiros, não é exagero afirmar que também uma grande revolução se desenhou. Era o momento de se despedir do amadorismo e fincar raízes na era profissional.

Arquivo/Diario de Pernambuco
Na verdade, o pagamento de salários a jogadores acontecia de maneira camuflada em todo o país já nos anos 1910. Muitos ganhavam um falso emprego para receber os vencimentos sem ser em nome do time. Era uma jornada dupla que nem existia na prática. Depois, a disputa entre amadorismo e profissionalismo gerou uma década de torneios paralelos pelo país, como nos casos de São Paulo e Rio de Janeiro.

Na capital paulista, só em 1933 foi a primeira vez que um atleta profissional acabou registrado. Em Pernambuco, havia uma resistência. Náutico e Santa Cruz eram reticentes. Do outro lado, Sport, América e o extinto Tramways, time da empresa britânica que explorava os serviços de bonde do Recife, seguiam o caminho do inevitável.

Mas, na realidade, o marco para a mudança vestiu as cores alvinegras do Central, em um ato registrado há exatas oito décadas e que mudou para sempre a história do esporte local. A inscrição de Luiz Zago marcou o início do profissionalismo no estado. Era também um sinal de força da primeira participação de um time do interior no campeonato estadual.  

“O futebol pernambucano só teve a lucrar com o profissionalismo. Evoluiu bastante após a implantação do mesmo”, escreveu José Maria Ferreira, no livro História dos Campeonatos - Memória do Futebol Pernambucano, de 2007. “Alguns ‘tabus’ começaram a ser quebrados e o nosso prestígio ultrapassou fronteiras”, acrescentou.

Curiosamente, Pernambuco foi um dos poucos estados que passaram ileso no processo de transição. O último campeonato oficial amador foi em 1936, com o Tramways campeão invicto. No ano seguinte, veio o primeiro estadual da era do profissional. Nele, o Esquadrão Elétrico repetiu a trajetória e até hoje carrega a façanha inédita de conquistar dois pernambucanos seguidos sem ser derrotado.

A chegada de Zago

Em 23 de junho de 1937, foi publicado no Diario de Pernambuco que a antiga Federação Pernambucana de Desportos assinou o contrato do jogador com a Patativa. A chegada do atleta no estado, aliás, teve uma considerável cobertura. O Diario jornal esteve presente no desembarque do jogador no porto da capital.

O zagueiro, que defendia o Atlético Mineiro, veio no navio Itaquicé até o Recife. Foi recebido pelos então presidente do Central, José Victor de Albuquerque, e o diretor de futebol Walfrido Pereira. O encontro rendeu uma foto publicada no Diario (imagem de abertura da matéria). O primeiro registro de um personagem que veio cravar o nome na história do futebol local. 

Arte: Brenno Costa/DP sob fotos do Jornal Pequeno e Diario de Pernambuco

Ídolo no Sport, técnico e árbitro de destaque

O paulista Luiz Zago chegou ao Central para disputar o Campeonato Pernambucano de 1937. Segundo o livro História dos Campeonatos, de José Maria Ferreira, recebeu dois contos de luvas para assinar contrato e salário mensal de 600 mil réis, tendo direito ainda a hospedagem - considerado um luxo para época. Dentro de campo, construiu uma longa e, até certo ponto, destacada passagem em Pernambuco.

Reprodução/Jornal Pequeno
O atleta ficou na Patativa até janeiro de 1938 quando se transferiu para o Sport, onde ganhou destaque. A mudança de endereço se deu pelo fato do Central ter se sentido prejudicado durante a disputa do Estadual de 1937 e, assim, retirou-se da federação só voltando aos certames na década de 1960.

De qualquer maneira, a chegada de Zago ao Leão só fez aumentar a importância do seu nome no futebol local. O atleta foi pentacampeão estadual (1938, 1941, 1942 , 1943 e 1948), virou referência no time e integrou a seleção de Pernambuco por cinco anos (1939 a 1943).

Até que, em janeiro de 1944, transferiu-se para o Vasco da Gama. Ele até organizou um jantar de despedida junto à imprensa. Na ocasião, segundo o extinto Jornal Pequeno, “o Sport e o desporto pernambucano perderam um grande baluarte”. Já para o Diario de Pernambuco, ele havia se tornado o “melhor defensor do Norte”.

No fim, passou apenas oito meses no Rio de Janeiro. Em seguida, o zagueiro retornou ao Leão e ficou no clube como jogador até 1948. No ano seguinte, chegou a assumir o comando do próprio Sport como treinador e a seleção pernambucana. Já em 1951 completou sua incrível jornada no esporte local virando árbitro. A estreia foi logo em um clássico entre Sport e Santa Cruz.

Com o apito, Zago também ganhou destaque e chegou a ser apontado pela imprensa como principal representante do quadro local. Inclusive, também foi bandeirinha em algumas partidas.

Aos 85 anos, Zé Maria, volante que marcou história no Sport e integrou a seleção pernambucana Cacareco, guarda muito bem na memória o estilo de Zago como juiz. “Ele era muito exigente. Ele falava: ‘quem manda aqui, sou eu. Você joga e eu mando’. Era muito correto”, lembra. Em 1954, Zago foi contratado pela Federação Baiana e encerrou sua história em Pernambuco.

Mudanças na arbitragem

A profissionalização no futebol com o pagamento de salários a jogadores também trouxe outras mudanças na estrutura do esporte. A arbitragem foi um dos setores mais alterados. Antes, diretores de clubes e até mesmo jogadores eram responsáveis por conduzir os jogos - o que, obviamente, gerava algumas polêmicas. Com a nova era, a federação criou a figura do juiz e institucionalizou o pagamento pela atuação dele nas partidas.

A década que abriu o profissionalismo

Os primeiros dez anos da transição do futebol amador para o profissional representaram a quebra na hegemonia quase absoluta de Sport e América. Já em 1930, o extinto Torre foi campeão. Nesta edição, o campeonato foi interrompido antes do fim. Havia uma grande crise política no estado por causa do assassinato do governador da Paraíba, João Pessoa, na capital pernambucana, em julho. Como o Madeira Rubra já estava na liderança, foi aclamado vencedor.

Crítico da mudança, o Santa Cruz foi o grande campeão da década ao levar quatro taças, sendo com um tricampeonato. Já em 1936 e 1937, o Tramways, abastecido pelo dinheiro da The Pernambuco Tramways & Power Company Limited, empresa que administrava o serviço de bondes elétricos do Recife, conseguiu uma façanha que não se repetiu até hoje com um bicampeonato invicto.

Arte: Brenno Costa/DP