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Gabriel impressionou o técnico desde o seu primeiro contato com o salto em distância |
Gabriel tinha 12 anos quando foi algemado e torturado por policiais no beco colado à sua casa. Violência gratuita, em busca de informações que ele não poderia dar. Por não saber as respostas, por não falar. Surdo, Gabriel só parou de apanhar após as súplicas da avó, que argumentava sobre a deficiência do neto. Uma estupidez inexplicável com um garoto renegado pela mãe e pelo pai, capaz de justificar qualquer atitude de revolta a uma sociedade excludente por natureza, com poucas portas de inclusão. Uma delas é o esporte.
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Abandonado pelos pais, Gabriel vive realidade humilde com os avós |
Gabriel Dionízio, hoje com 13 anos, apanhou porque os policiais viram em seu porte físico uma ameaça, o estereótipo do “inimigo”. Por sorte, um outro olhar enxergou no biotipo de Gabriel uma promessa: 1,78 metro, pernas finas e compridas, perfeitas para o salto em distância. O estereótipo de um campeão. “Ele tem tudo para chegar a ser um paratleta olímpico de alto nível”, garante o técnico Francisco Matias. “Ele começou há somente um mês e já salta 7 metros, sem técnica. Imagine com os treinos! Vai saltar muito”, prevê o treinador do Colégio Santos Dumont.
O esporte tem ajudado Gabriel a dar saltos também na vida. As limitações e a timidez deixaram de ser barreiras na hora de se comunicar. Nos treinos, ela é feita de forma improvisada, na base das mímicas, dos gestos. E Gabriel sabe falar muito bem com as expressões dos olhos, com o franzir da testa. Mais raramente, sorrindo.
Pai e mãeNão é só o esporte, não é só o treinador. Se há pessoas para quem Gabriel sorri com mais frequência e espontaneidade são o seu pai e sua mãe. Não os biológicos. Outros, com traços do mesmo sangue, com a mesma determinação para vencer as dificuldades. Foram os avós Jorge Silva e Ceci Dionísio que assumiram a responsabilidade de criá-lo. De serem os ouvidos e a voz de Gabriel.
Atualmente, Jorge é quem cuida do garoto, assim como da esposa - ela sofreu um derrame. Das bicicletas que conserta, tira o sustento da família e o transporte do neto, que carrega para a escola na sua garupa. Mesmo analfabeto, nunca deixou de priorizar a escola do menino, a quem chama de filho.
Somente no começo do ano Gabriel passou a estudar em uma escola adequada para a sua condição. E vem dando saltos cada vez maiores. “Ele é muito inteligente, já está conseguindo se comunicar bem”, disse a professora Luciana Lopes, da escola Escola Severina Lira, que faz acompanhamento de atendimento educacional especializado. “Gabriel está descobrindo o Recife. Ele não sabia o que era um shopping, o Centro da cidade, nada. O mundo dele era a casa”, disse Luciana, que “adotou” Gabriel e faz questão de levá-lo para os treinos e apresentá-lo ao mundo.