Aos 39 anos, o ex-tenista Gustavo Kuerten colhe, por onde passa, o carinho e admiração que cativou com as raquetes nas mãos e sorriso sempre estampado no rosto, que se tornaram marca de sua vitoriosa carreira. Os 20 minutos de conversa com o Estado de Minas, em evento na Universidade Estácio de Sá, no Rio, foram constantemente interrompidos por pedidos de fotos, abraços e cumprimentos – de fãs ou de outros atletas consagrados, alguns deles medalhistas olímpicos, que não perderam a oportunidade de reverenciar o ídolo. Oito anos depois da aposentadoria, Guga se dedica ao instituto que leva seu nome, em Florianópolis, e a palestras que valorizam a relação entre esporte e educação. Com paixão de principiante, o tricampeão de Roland Garros e ex-número 1 do mundo falou sobre Jogos Olímpicos, comentou o atual momento dos mineiros Bruno Soares e Marcelo Melo, as críticas a Thomaz Bellucci e a empolgação com o jovem Thiago Monteiro, e fez duras afirmações sobre a falta de investimento na base, que, segundo ele, pode comprometer o legado dos Jogos.
Como você tem acompanhado os resultados do tênis brasileiro, oito anos depois de sua aposentaria?
Sorrindo, principalmente (risos). Vibrando bastante. O tênis brasileiro está vivo. Tinha essa pergunta no ar, quando eu parei. Eu via toda uma intranquilidade no tênis e qual seria o rumo do esporte. Hoje, os resultados do Bruno Soares e do Marcelo Melo solidificam e dão continuidade à história. Em todos os esportes, não só no tênis, temos de encontrar mais protagonistas, entender melhor os méritos desses agentes, para não ficar refém só do Guga, da Maria Esther, do Thomas Koch. A gente precisa de umas 50 histórias para contar.
E o que atravanca a criação desses ídolos do esporte?
Precisa ter mais atenção à base, com o profissional que forma 100, 200 futuros tenistas, basquetebolistas, judocas. É o cara que está lá dando a disciplina, ensinando contexto de vida, educação para o garoto de 4 a 12 anos. Isso foi a carência que a Olimpíada não conseguiu abraçar, mas ainda dá tempo para tentar alguma coisa. Para mim, é a principal atenção, para que Marcelos, Brunos venham naturalmente, não só isolados. Precisamos de um ciclo de formação sustentável. O Brasil tem a condição de ser potência, pois tem vocação para o esporte.
A formação é mais difícil de ocorrer em esportes individuais, como o tênis?
A nossa cultura é muito mais social, associativa, do que trabalhar individualmente. Aqui, o atleta não recebe estímulos para competir sozinho, como nos Estados Unidos, Europa. Aí que a gente vê quão absurdo e grandioso é o feito de um Arthur Zanetti, Robert Scheidt. Esses caras são geniais, excepcionais, mas a gente não pode ficar só à mercê deles, porque são casos exclusivos, fora da curva. A gente vive um momento único e precisa aproveitar isso.
Você acredita que a pressão sobre esses atletas, sobretudo nos esportes individuais, possa prejudicar o desempenho no Rio?
Tem prós e contras, mas acredito que a equação final vá ser positiva. É muito impactante aquela vibração da torcida, a capacidade que a energia do público tem de transformar, de colocar o atleta no lugar mais alto, de voar. Eu já virei partida de Copa Davis, que a gente não sabe de onde vem a força. Um grito, uma bandeira, a presença da família. O atleta estrangeiro vai tremer inteiro.
A gente viu esse envolvimento da torcida com Thiago Monteiro, com as vitórias no Rio Open e Brasil Open, no mês passado...
Foi um trabalho duro de oito anos dele e, de repente, em duas semanas inspiradas, tudo apareceu. Nosso país é carente desses exemplos, ainda mais em momentos atuais, em que todo mundo se decepciona com tudo. Eu sou suspeito para falar, porque a gente conheceu o Thiago com 13 anos. Ele foi à academia do Larri (Passos, treinador). Um menino chegando do Ceará, com toda timidez, uma criança. No juvenil da Semana Guga, ele ganhava de todo mundo, porque era grandão. Agora, tem que dar tranquilidade para ele trabalhar. As pessoas estão procurando enxergar as coisas ruins em tudo. Precisamos aprender com Thiago e a reconhecer esses valores.
É uma característica que a torcida brasileira sempre cobra do Thomaz Bellucci. O que você acha dessa cobrança?
É muito difícil ser nº 30 do mundo. Essa obsessão do brasileiro de olhar o esporte exclusivamente pela vitória, a longo prazo, é muito prejudicial. A gente precisa entender mais profundamente o esporte. A característica do Thomaz é diferente, mais introspectivo. A relação que ele tem com a torcida não é de vibrar o tempo inteiro, como a gente viu o Thiago. Ele tem um formato de jogo diferente e precisa ser respeitado. Ele já ganhou excelentes jogos no Brasil. Na Olimpíada, ele não é favorito, e cada vitória que ele conseguir, a gente tem que vibrar junto. A gente tem de abraçar um pouco o atleta, comprar um pouco a briga deles e depois fazer uma análise sem ser tão passional. Você acredita que essa cobrança excessiva atrapalha?
O atleta se dedica a vida inteira para chegar a uma Olimpíada e pode ganhar ou pode perder, mas, se toda essa trajetória não for valorizada, todo o projeto, de nada vale a crítica. Todo mundo sabe que, no Brasil, o caminho é mais torto e complicado para o atleta. Se isso não for considerado, a gente passa a ter um ponto de vista injusto.
O Brasil disputa os Jogos desde 1988, sem medalhas no tênis. Neste ano, o tão esperado pódio pode acontecer?
O Marcelo e o Bruno são favoritos para a medalha, o que também dificulta a proposta da execução, mas estão aptos para isso. Jogaram muito bem aqui no Brasil, na Copa Davis. Na quadra rápida, eles se sentem à vontade, é um ambiente favorável. Eles têm totais condições.
Quais os benefícios que o Brasil vai colher dos Jogos Olímpicos?
Já tem um benefício imediato, com a empolgação, tudo que vem com a Olimpíada. Mas, para mim, o legado definitivo está vinculado ao conhecimento e reconhecimento. Tem que investir em profissionais para dar dignidade e empolgação para que eles transformem o esporte brasileiro. Tem que ter 100, 200 professores trabalhando.
Falta estrutura?
Não adianta ter uma quadra sensacional, precisa de gente, de pessoas. Estrutura é fundamental, mas, se for fazer uma análise, acredito que tenhamos umas 1 mil quadras de tênis jogadas às traças pelo país. A gente vai aos clubes, as quadras estão vazias. Estrutura não é nosso principal problema.
Você disputou duas olimpíadas. É diferente do circuito profissional?
É um sonho de criança de qualquer atleta brasileiro. Antes de pensar em jogar Roland Garros ou Wimbledon, eu sonhava estar na Olimpíada. A imagem do Joaquim Cruz ganhando medalha, aquilo me enchia os olhos. Dava orgulho, um sentimento que, um dia, eu poderia enfrentar qualquer atleta do planeta. É um enredo sentimental e de superação que o brasileiro ama. Tem tudo a ver com a capacidade do esporte de contagiar e transmitir um recado positivo. No Rio, a gente precisa parar de ficar refém desse enigma de vencer a qualquer preço. A gente precisa buscar a conduta, a disciplina. Isso é um retorno do esporte para a sociedade.