NÁUTICO
Em entrevista exclusiva, técnico do Náutico 'dá aula' de tática do futebol e analisa o Timbu
Embora não goste do termo, Gilmar Dal Pozzo mostrou grande conhecimento do jogo e detalhou suas observações para deixar o Alvirrubro forte
postado em 17/04/2016 14:37 / atualizado em 17/04/2016 15:11
O trabalho de um treinador vai além do jogo. É preciso que haja uma integração entre os aspectos físicos, técnicos e psicológicos. O treinador, portanto, além de técnico é um gestor de recursos humanos. Concorda?
Sim. Inclusive, no período que eu estava parado, fiz cursos de relações humanas. O técnico tem que ser um gestor. Ter habilidade para conduzir todas as situações. A gente trabalha com 30 atletas, 11 que jogam e ficam praticamente mais duas equipes de fora. Alguns dos atletas sequer são relacionados. E a gente procura trabalhar todos da mesma forma. Dar a importância, a condição de trabalho e preparar os atletas. E eu falo muito para eles que eles têm que se preparar e trabalhar para eles, porque a oportunidade não avisa a hora e o local.
Como foi com Gil Mineiro, por exemplo?
O caso do Gil é um que a gente pode caracterizar isso. Era um atleta que não era relacionado, mas vinha treinando e chamando a atenção do técnico e da comissão, porque era um atleta que vinha treinando em alta intensidade. E não tive dúvida. Quando precisei, coloquei para jogar num clássico contra o Santa Cruz e foi muito bem.
No início da temporada, o seu time atuava com bastante intensidade, com uma progressão mais rápida e vertical. Nas últimas partidas, faltou a tal intensidade. Tem faltado um melhor entendimento entre os jogadores nas movimentações ofensivas?
Não. É a característica dos jogadores. Quando você coloca em um time Esquerdinha, Daniel, Renan, Valdívia, ou seja, dois ou três jogadores que cadenciam mais, não tem como pedir tanta intensidade e transição ofensiva e defensiva. Agora quando você tem Rony, Thiago, Gil Mineiro, que são três velocistas, você já pode fazer. Então, vai muito das características dos atletas. Eu gosto que joguem em alta intensidade, mas eventualmente, como estratégia, por exemplo, jogando em casa a gente precisa propor o jogo. Pensar mais o jogo, ter mais ocupação de espaço. Não tem como ter transição porque os adversários vêm mais fechados e não tem espaço para transição.
Em termos de princípios de ataque, percebe-se que os jogadores têm maior liberdade de movimentação. É uma preferência sua em detrimento de um time mais posicional, ou é por uma questão de característica dos atletas?
São variáveis que a gente tem que usar para surpreender o adversário. Quando uma equipe fica muito estática, posicionada, fica fácil para a marcação. Então, a gente treina muito essa movimentação. No início das partidas, nos primeiros 15, 20 minutos, procuro deixar a equipe se assentar em campo. Depois, conforme se desenha o jogo, eu peço para eles (a movimentação). É uma condição que já está treinada para confundir os adversários.
O Náutico tem apenas um centroavante. Sem Daniel Morais, as alternativas são jogadores mais móveis, como Thiago Santana. Para a Série B, ainda espera por outro atelta com capacidade de dar profundidade à equipe, fazendo o pivô?
O Náutico tem um planejamento. Nós precisamos de quatro a cinco jogadores para a sequência do ano. E dentre eles, tem jogadores da frente. Nós precisamos de um zagueiro, um volante e dois jogadores lá na frente. Não especificamente um centroavante de área, porque estou satisfeito com os dois. Mas a gente está aberto ao mercado. Daqui a pouco aparece um jogador que seja interessante, viável financeiramente para o clube. Como o Rodrigão do Campinense, que vai para o Santos. A gente está atento no mercado.
Quais são os teus sistemas táticos favoritos?
Eu estou usando o 4-2-3-1, mas já trabalhei no 4-1-4-1, já fiz algumas variações no 4-4-2, também. Eventualmente, a gente trabalha no 4-3-3. Mas é interessante que neste ano, no Náutico, a gente formou uma equipe no 4-2-3-1.
E por que o 4-2-3-1?
Porque no ano passado a gente tinha uma base da equipe, 60% dos jogadores já estavam aqui. E a gente procurou fazer um planejamento em cima de uma estrutura que já estava do ano passado. A gente deu sequência, trouxe qualidade e jogadores com características para jogar neste sistema.
O 4-2-3-1 permite mudar a ocupação de espaço, alterando a disposição tática. Se adiantar os meias-extremos, ganha maior amplitude e profundidade. Se recuá-los na recomposição defensiva, passa a ter duas linhas de quatro na marcação. Quais outras possibilidades vislumbra?
Na verdade, a formação na postura defensiva fica nas duas linhas de quatro. E para jogar só faz um ajuste tático, em relação a um dos volantes, adiantando, por exemplo, se jogar com Rodrigo e Eduardinho, o Rodrigo fica mais posicionado e adianta o Eduardinho. Assim, você forma mais uma linha de quatro e com mais um à frente, você tem um 4-1-4-1. Faz um ajuste tático bem simples.
Jogar em 4-2-3-1 requer que a terceira linha tenha uma maior balanço defensivo, a fim de evitar que a equipe fique desguarnecida. A opção por Gil Mineiro, como foi em Salgueiro, é no sentido de melhorar essa recomposição defensiva?
A gente tem que ter cuidado quando coloca de forma defensiva e ofensiva. Se você pegar os movimentos do Gil, vai vê-lo ofensivamente chegando dentro da área, fazendo infiltração. Ele tem muita velocidade em transição defensiva, dá o que eu quero defensivamente, mas não vamos esquecer que ele ofensivamente, pela velocidade na transição, às vezes infiltra mais que o Renan ou Esquerdinha. Considero o Gil um jogador importantíssimo. Eduardinho também faz isso. É porque ele ainda não jogou de lado, mas ele faz essa transição também. E essa transição é muito importante no futebol moderno e até para surpreender o adversário.
Sobre os volantes: a temporada começou com a dupla Elicarlos e Rodrigo Souza, que logo se encaixou. Eli saiu e Niel entrou, mas sofreu uma lesão. As opções agora são Ygor e Eduardinho. Nesta reta final do Estadual, Ygor, que tem mais características de contenção, seria a melhor dupla para Rodrigo Souza?
Esse foi um setor em que a gente mexeu muito. Por isso a oscilação. Sempre tive uma ideia, um conceito definido dos dois volantes, um mais posicionado e outro que sai mais para o jogo. Mas na sequência do campeonato eu fui perdendo e tive que me reinventar e para a gente jogar em alto nível e excelência, precisa de tempo. Quando Elicarlos e Rodrigo estavam entrosados, jogando em alto nível, Elicarlos foi embora. Quando a gente achou um primeiro substituto, o Niel, que vinha melhorando na qualidade do passe e ofensivamente, a gente perdeu por lesão. Aí tive que remontar a equipe. Trazer o Rodrigo como primeiro homem, adaptar. E colocar o Eduardinho. No primeiro momento, deu certo. O jogo contra o Santa Cruz, foi excepcional. Contra o Salgueiro, coloquei Ygor. E ele foi bem lá. E provavelmente vai dar sequência. Mas precisa de um tempo de entrosamento maior, porque vai ser o segundo jogo dele com o Rodrigo e a equipe.
Uma característica já ficou clara. Dificilmente o Náutico atua com dois laterais que sobem bastante. Compensando com um meia-extremo que dá mais profundidade e outro que compõe mais centralizado, fazendo a diagonal. É isso mesmo?
Eu vejo que é um conceito mundial. Acho que para subir com os dois laterais… Eu tenho visto equipes, eu me reservo o direito de não falar as equipes, que jogam no 4-4-2 e os dois laterais subindo ao mesmo tempo. Se fizer isso contra mim… Tomara que faça sempre! Eu não consigo ver futebol desta forma. Ao menos que jogue no 3-5-2, 3-6-1. Porque é automático, subiu do lado direito, teve profundidade, apoio, é normal que o lateral esquerdo feche, tendo uma composição defensiva. E vice-versa. Na linha de quatro é assim que funciona.
Sobre as ações para a recuperação da posse de bola. Há momentos em que o Náutico pressiona a saída de bola. Em outros, posiciona-se para aguardar o erro adversário. Gostaria que explicasse um pouco esses momentos.
A gente trabalha com três sistemas. A pressão alta, para não deixar o adversário jogar. Essa é a que a gente mais usa, até para retomar a posse de bola e já estar dentro do campo adversário. Outra, que a gente treina menos e usa menos, é uma meia pressão. Essa é muito interessante. Só que aí precisa de mais treino. A linha de trás tem que adiantar e ficar compactada numa linha de 40 metros, porque senão você dá transição e velocidade ao adversário. Depois, a gente tem como alternativa a pressão baixa, trazendo a linha do meio de campo. A gente faz uma marcação agressiva. Mas não é só para marcar. A gente usa como estratégia para ter a transição rápida.
Existem duas concepções de se aplicar os princípios operacionais: de conservação da posse de bola construir situações de finalização (estilo Guardiola) e de progressão rápida em contra-ataques (caso do Leicester). Qual a sua preferência?
Sou um técnico que quero propor o jogo toda a hora. É vocação. Mesmo sendo goleiro, quando joguei. Imagina-se que seria jogar no contra-ataque, na transição. Mas eu quero sempre que a minha equipe assuma o jogo, principalmente jogando em casa. Mas tenho como estratégia uma alternativa, também. Depende do adversário. Se ele jogar com os dois laterais subindo, eu quero ter a transição e a velocidade no contra-ataque. Mas o importante é estar preparado. Se precisar ter posse de bola, a gente vai ter. Se precisar jogar no contra-ataque, a gente vai fazer isso com inteligência.
O Náutico passou por três vezes longos períodos sem jogo oficial. Essa falta de competitividade te preocupa?
Não preocupa. A gente tentou buscar ver onde jogou mal contra o Vitória da Conquista. E se passaram quatro, cinco dias e não tem explicação. Foi um jogo atípico. Em três meses de trabalho, todas as equipes em um dia vão ficar abaixo do padrão. Nós, infelizmente, ficamos. A gente jogou mal em um jogo que a gente precisava da classificação. Então, não tem problema. A gente usa bem o tempo. Agora, claro, o ideal seria de semana a semana. Mas a gente tenta aproveitar da melhor forma. Ruim mesmo é ficar 15 dias. Perde o timing, fica sem o ritmo de jogo.
Por outro lado, devido aos 10 dias sem jogos, você vai poder contar com o retorno de alguns jogadores. Bérgson, Walber e Ratão vão ser opções para a semifinal?
Clinicamente eles estão recuperados. Fisicamente, alguns deles também, em condição boa. Mas, técnica e taticamente é diferente. Ficar, por exemplo, dois meses parado e voltar para jogar uma semifinal. Jamais iria fazer isso. Precisamos de jogadores que estejam voando baixo, física, técnica e mentalmente também. E é esse cuidado que vamos ter em relação à recuperação destes atletas. Eles vão jogar só se estiverem em uma condição muito boa. E essa não é uma decisão só minha, vai ser de todo o departamento técnico.
Por falar na semifinal, como é que o senhor projeta essa decisão com o Santa Cruz?
Jogo difícil. Vejo que o Santa Cruz está vindo em ascensão. Teve a troca de técnico. Está motivado. Vai ser um jogo muito igual. Eu acho que os quatro times que se classificaram chegam em uma condição bem igual. Todos eles com condição de passar para a final e conquistar o título.