Futebol Nacional

ARBITRAGEM

O panorama da arbitragem pernambucana: nova geração, uso de câmeras, investimento e críticas

Pernambuco formou 41 novos árbitros após seis anos de hiato desde a última turma; intenção da FPF é fazer do Pernambucano 2017 o pioneiro no uso da tecnologia

postado em 13/11/2016 16:00 / atualizado em 16/11/2016 19:41

Ricardo Fernandes/DP
Foram 401 horas de aulas. Dezoito disciplinas. Dez meses de curso, entre teoria e prática. Pela primeira vez na história, Pernambuco graduou – no sentido mais genuíno da palavra – uma turma de árbitros de futebol. Uma geração de 22 árbitros e 19 assistentes que deixa a Escola de Formação de Árbitros (Sherlock), criada pela Federação Pernambucana de Futebol (FPF) em 2014. Emerson Sobral, Nielson Nogueira, Gilberto Castro Júnior, Sebastião Rufino Filho agora têm sombra. Um novo grupo jovem, entusiasmado, que está sendo lapidado para em cerca de dois anos ficar à disposição e começar uma renovação no quadro local.

A última turma de árbitros formada no estado havia sido em 2010. O quadro da Comissão de Arbitragem de Pernambuco (Ceaf), engessado com 42 profissionais, praticamente dobra o número de opções. Panorama, por ora, meramente teórico. Afinal, segundo o presidente da Ceaf e diretor da Associação Nacional dos Árbitros, Salmo Valentim, a expectativa é que dos 41 formandos, entre cinco e dez sejam integrados após os estágios necessários para chegar à elite do Campeonato Pernambucano.

“Não tínhamos escola de formação. Formávamos numa mera ação de esforços da diretoria de futebol daquela época. Então estabelecemos um procedimento padrão que era primeiro agregar uma faculdade, segundo obter licenciamento. Eram critérios técnicos que queríamos para validar o curso como de qualidade”, disse o presidente da FPF, Evandro Carvalho.

Embora haja todo o esforço para uma formação mais completa desses novos profissionais, segundo Evandro, nada garante que os erros serão erradicados. “Todos são humanos e passíveis de erros. Não há como concorrer com 14 câmeras dentro do gramado”, disse, defendendo o uso da tecnologia no futebol. “Precisamos profissionalizar a arbitragem. A CBF ganha milhões por ano. Por que não investir 10% nos árbitros? Não vejo outra saída para minimizarmos os erros”, acrescentou Salmo Valentim.

Arquivo/DP
Sucesso
O curso Sherlock foi dado em parceria com a Faculdade Escritor Osman da Costa Lins (FACOL), de Vitória de Santo Antão. “O curso seguiu todos os novos padrões de exigência da FIFA e da Escola Nacional de Arbitragem de Futebol (ENAF/CBF). A grade (de estudo) contempla mais do que a CBF pede. Tínhamos certeza que iria ser formada uma turma de excelência”, exaltou o membro da Ceaf e um dos instrutores do curso Erich Bandeira.

Apontado como um sucesso, o curso presidido por Sebastião Rufino, ex-árbitro Fifa, hoje com 82 anos, não deverá tardar a abrir novas turmas. “Há mercado e campo para isso. Outras federações já nos procuraram para conhecer a nossa experiência e ficamos muito felizes com o resultado”, afirmou. “Queremos ser um fornecedor na região”, pontuou Evandro Carvalho.

Quem foi Sherlock, o árbitro que deu nome à Escola de Árbitros?
Reconhecido pela qualidade técnica, Argemiro Félix de Sena foi o árbitro que mais apitou na história do futebol pernambucano. Em 28 anos de carreira (entre 1935 e 1963), foram 353 jogos no estado, segundo os dados do pesquisador Carlos Celso Cordeiro. Argemiro foi o primeiro juiz de Pernambuco no quadro da Fifa. Com um uniforme todo preto, costumava gritar “É a lei!” ao ser interpelado pelos jogadores. Figura emblemática, era conhecido como Sherlock, num apelido oriundo desde a juventude devido à fixação nos livros de Sherlock Holmes, o investigador criado pelo escritor escocês Conan Doyle. Aposentado, trabalhou no departamento de árbitros da FPF. Sherlock faleceu em 1991, aos 81 anos.

Árbitros que mais apitaram em Pernambuco
353 – Argemiro Félix (Sherlock)
320 – Sebastião Rufino
261 – Manoel Amaro
253 – Gilson Cordeiro
214 – Wilson Souza

Fonte: Carlos Celso Cordeiro

Ricardo Fernandes/DP
A nova geração pernambucana de árbitros - Livro de regras de futebol na ponta da língua. Condicionamento físico no auge. Teoria e prática se alinhando para um longo caminho a ser percorrido. Até estar pronto para conduzir uma competição como a Série A1 do Campeonato Pernambucano, os árbitros que acabam de deixar a academia têm outros passos a dar. Até colocar a bola sob o braço e entrar com o apito ou a bandeira em mãos para conduzir uma grande partida de futebol, muitos cartões terão que de ser distribuídos em campos de terra batida.

Laureado da primeira turma formada pela Escola Sherlock, César Leite, 27 anos, já está há alguns anos no meio. Natural de Bezerros, faz parte da Liga da cidade e de polos vizinhos, como Gravatá e Caruaru. Atua em competições amadoras afiliadas à FPF. Sabe que o caminho até estar apto a apitar um clássico local, por exemplo, não é curto.

“Sempre gostei muito de futebol. Fiz o curso de Educação Física pensando em ser técnico. Mas as coisas mudaram, surgiu essa oportunidade e estou ingressando na carreira de árbitro. É um caminho difícil, o elo da arbitragem é sempre o mais frágil do sistema, mas vou em busca dos meus sonhos”, afirmou Leite. “É um começo, mas acho que se a gente não sonhar alto não consegue. Sonho um dia quem sabe ter um escudo Fifa”, acrescentou Roberta Asfóra, que também já começou a dar seus primeiros passos como assistente.

De acordo com Evandro Carvalho, todos os alunos terão espaço para arbitrar nos estaduais Sub-15 até o Sub-20, além das competições inferiores à Série A1. “Pernambuco só não tem mais espaço do que São Paulo. Esses meninos vão ter oportunidade e vão crescer”, garantiu. “A vida de árbitro tem que ser preenchida com o dia a dia, com a experiência e eles estão prontos para começar a pegar experiência. Alguns já tem se saído bem, outros já tinham experiência anterior e estão um pouco mais desinibidos para trabalhar. Mas a expectativa é que tenhamos uma geração muito bem preparada”, pontuou Erich Bandeira.

Ricardo Fernandes/DP
Somos árbitros, e agora? - Se formar como árbitro no Brasil não é garantia de salários fixos e emprego garantido. Até se tornar um “Fifa” para ganhar R$ 3.850 por partida no Brasileirão, o caminho é árduo. Os 41 recém-formados na Escola Sherlock, por exemplo, vão começar a ganhar as primeiras oportunidades nos torneios sub-15 e sub-17 da Federação Pernambucana. Salário: R$ 100 (para árbitro) e R$ 50 (para assistente) por jogo. Muito pouco para ganhar a vida.

Não em vão boa parte dos árbitros lançados pela FPF têm outros empregos. É o caso do fisioterapeuta Hugo Figueiredo, 30 anos. Apaixonado por futebol, o paraibano sempre sonhou em viver o meio. "Achava que tinha perfil de árbitro”, diz. Foi em busca do curso. Formou-se. Mas vê o apito com cautela. “Tenho meu trabalho, sou formado em fisioterapia e não penso em viver da arbitragem hoje”, disse.

“Não me tornei árbitro pensando em algo como complemento de renda, foi pelo prazer de me inserir no esporte. Se pensar em ganhar dinheiro, a pessoa vai desistir. Penso em seguir a carreira, me cuidar para chegar a ser um árbitro CBF e aí, sim, pensar em algo maior. Mas hoje só o que eu gasto para me cuidar, em treinos e a parte física, as taxas que recebo para apitar o sub-15 e o sub-17 não pagam”, detalhou Hugo, natural de Santa Rita-PB.

Um dos maiores críticos do país em relação à falta de um piso salarial fixo para os árbitros é Salmo Valentim, membro atuante da Enaf. Foi ele, por exemplo, uma das vozes fortes dentre os que clamavam pelo fim dos sorteios. Salmo foi ouvido e o próximo Pernambucano volta a ter juízes indicados de acordo com a meritocracia. “Não adianta o árbitro investir na carreira sem que tenha retorno. O cara não pode se qualificar, ter nutricionista, médico, preparador físico e no fim sequer ter a garantia de quantos jogos iria trabalhar”, afirmou.

Para Salmo, o ideal seria ter um salário base para a categoria. “Digamos que o árbitro vai receber um valor de R$ 5 mil fixo. É um exemplo de viabilidade. Mas aqui o árbitro vai conduzir um jogo às 21h45 em Salgueiro e volta de madrugada porque de manhã tem que trabalhar. É assim no Brasil todo. A CBF recebe milhões, por que não investe em arbitragem uma porcentagem disso?”, criticou.

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Uma das instrutoras do curso e única mulher com o escudo Fifa, a árbitra Ana Karina vê com surpresa a baixa procura das mulheres. Afinal, competições como o Brasileiro, Copa do Brasil, Libertadores, todas femininas, têm aberto muitas portas para a arbitragem. “As competições estão aumentando e as mulheres sendo cada ano mais valorizadas”, disse. “No próximo curso vamos fazer uma propaganda maior falando dessa carência por mulheres. Quem entrar vai se dar bem logo, vai ter espaço”, acrescentou Erich Bandeira.

Buscando entrar nesse mercado que cresce, a recifense Robertta Asfóra foi uma das alunas que se destacaram no curso da oferecido pela FPF. Formada em educação física e apaixonada por futebol, viu na arbitragem um meio de entrar no meio e trabalhar com o que ama. “Sempre gostei de futebol desde pequena, gostava de discutir lances… E quando vi a oportunidade, decidi me inscrever. Minha família toda é ligada ao futebol, todos apoiaram, abraçaram a ideia e estão super ansiosos”, contou, animada.

Preconceito

Para Ana Karina, a questão do preconceito contra a mulher na condução de uma partida não pode ser apontado como fator pelo baixo número de mulheres na arbitragem. “Para mim, passa despercebido. Quando entrei em 2002, era mais. Hoje diminui bastante. Ter a mulher no comando do jogo está se tornando algo comum e isso é bom”, afirmou. Além de Ana Karina, o quadro pernambucano ainda conta com Debora Cecília e as assistentes Karla Santana e Fernanda Colombo. “O pior é a questão das exigências físicas, principalmente as relacionadas à velocidade”, destacou Ana, reprovada nos últimos testes para apitar jogos masculinos.

Mulheres na arbitragem

4 mulheres compõe o quadro da FPF
2 assistentes
2 árbitras
1 árbitra Fifa
9,5% do quadro local é feminino
32 árbitras integram o quadro da CBF
64 delas são assistentes
96 é o total de representantes femininas na CBF
22,3% é o que representa o número de mulheres na arbitragem nacional

FPF/Divulgação
Pioneirismo pernambucano - Ao que tudo indica, o Campeonato Pernambucano 2017 será o primeiro do país a testar o “árbitro de vídeo”. Única federação brasileira a solicitar à Fifa a autorização para realizar a experiência do uso da tecnologia para interferir em lances decisivos de uma partida, a FPF já recebeu a sinalização positiva da Escola Nacional de Árbitros de Futebol (Enaf). Isso é possível porque a CBF é uma das seis confederações mundiais autorizadas a realizar os testes. Estados Unidos, Austrália, Alemanha, Portugal e Holanda (que já começou o uso) são os outros países que podem usar o sistema. Outras nações, como México, França e Itália, também demostraram interesse. Apenas detalhes separam o estado do pioneirismo.

De acordo com o presidente da FPF, Evandro Carvalho, Pernambuco já começou os investimentos necessários para largar na frente. “Temos os equipamentos necessários, temos tudo”, afirmou. Estima-se que, entre investimentos da Federação e da CBF, os custos para colocar o sistema de acordo com as exigências da Fifa, inicialmente, irão girar em torno de R$ 1 milhão.

A medida já está incluída no regulamento do campeonato e aguarda apenas um retorno da Fifa, que exigiu a adequação de critérios pontuais. As imagens geradas pela emissora transmissora do Estadual, no caso a TV Globo, serão usadas pelos árbitros de vídeo – o que, de certa forma, limitará os jogos com o sistema. “Espero inaugurar os testes em 2017, senão em todos os jogos pelo menos nos principais”, ressaltou Evandro.

O desejo pernambucano é antigo. Em 2 de outubro de 2015, a FPF, através do presidente da CBF, Marco Polo Del Nero, encaminhou um ofício à Fifa solicitando o uso experimental na fase decisiva do Campeonato Pernambucano. Não conseguiu porque a International Football Association Board (Ifab), órgão que regulamenta as regras do futebol, só autorizou os testes em março deste ano.
“Agora temos o protocolo que autoriza. Se tivermos os recursos necessários e treinarmos os árbitros, é perfeitamente possível que Pernambuco seja o estado pioneiro”, ressaltou o diretor da Enaf, Manoel Serapião, autor do projeto do árbitro de vídeo, incorporado pela Fifa. A expectativa é que a Série A 2017 também realize os primeiros testes.

Polêmica

Em visita ao Recife para a formatura dos alunos da Sherlock e o arbitral do Estadual, Serapião se mostrou otimista. Aos críticos de que a utilização de imagens para tirar a dúvida do árbitro encerraria “a graça do futebol”, com as discussões “de mesa de bar”, o especialista foi taxativo. “O argumento não é bom. Futebol não depende disso para ser o esporte que é. Os lances de interpretação não vão desaparecer. Eles vão continuar a cargo dos árbitros.”

Entusiasta do projeto e orgulhoso por dizer que “o projeto começou aqui, conosco, com Serapião ao nosso lado”, Evandro Carvalho vê o uso da tecnologia como única solução para o fim das polêmicas relacionadas à arbitragem. “Se fomos ver todas as atividades esportivas do mundo de jogos coletivo, a que tem menos erro é a do futebol. Não existe árbitro mais preparado que o de futebol, é o que mais é condicionado, mais cobrado... Acho que o árbitro é altamente profissionalizado. Acho que é um equívoco quando a imprensa fala que falta profissionalizar a arbitragem. Só que o árbitro é falível. Só resolve (a questão dos erros) com tecnologia”, ponderou. Até 2019, o Ifab decidirá se o novo recurso será incluído no livro oficial de regras.

O árbitro de vídeo atuaria em quatro frentes*:
Para determinar se o bola ultrapassou a linha do gol;
Marcação de pênalti;
Expulsão (Cartão vermelho);
Identificação de jogadores para punição

*Não há limites para intervenções  

O árbitro de vídeo NÃO atuaria em:
Cartão amarelo;
Marcação de escanteios;
Inversão de faltas;
Faltas fora da área;
Inversão de arremesso lateral;
Lances interpretativos (bola na mão)

Como vai funcionar
Uma comissão com três árbitros ou ex-árbitros com qualificação Fifa ficarão em um container dentro do estádio, mas isolados de qualquer tipo de interferência. Nele, terão acesso ao replay de imagens da partida e, em contato direto com o árbitro da partida por rádio, podem receber a solicitação para tirar dúvidas em lances cruciais. Técnicos, jogadores ou qualquer membro de comissão técnica não poderão requisitar a revisão de um lance. A decisão partirá apenas do árbitro principal.

Mais novidade

Outra novidade no próxima edição do Campeonato Pernambucano será no sistema de escolha dos árbitros. A partir de agora, ela se dará por meio de audiência pública e critério técnico, um sistema inédito no Brasil. Evandro Carvalho revelou que a FPF adotará um software, em que notas são atribuídas aos árbitros. Dessa maneira, os de melhor média serão sempre escalados para os jogos.
CBF/Divulgação